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Dez 08

Em Motaze, no interior profundo do sul de Moçambique, não há luz eléctrica, água potável ou estradas, mas há desde Maio uma revolução no transporte de doentes na região: seis “modernas” bicicletas-ambulância.

 

O projecto é da organização não-governamental OIKOS, que trabalha na região desde 2001, sobretudo nas áreas da agricultura e saúde, e sempre presenciou as dificuldades da população em chegar ao único centro de saúde de uma região com uma área idêntica à da cidade de Lisboa.

 

“Vimos que havia muitas dificuldades para as pessoas doentes, muitas delas seropositivas (…) ouvimos falar da existência destas bicicletas-ambulância e decidimos avançar com esta experiência piloto”, justifica a norte-americana Claire Fallender, representante da Oikos em Moçambique.

 

Cecília Macilela, 48 anos, é a enfermeira responsável pelo único centro de saúde existente na região, um edifício de telhas verdes de zinco e paredes brancas, onde quase todos os dias dá entrada alguém com complicações relacionados com o HIV/SIDA - calcula-se que um terço dos 10 mil habitantes da região seja portador do vírus.

 

“Os doentes chegam aqui em melhores condições porque não é o mesmo que caminhar a pé ou de carroça de junta de bois. É diferente. Pelo menos ali a activista está a pedalar, fica cansada a meio do caminho e a outra pega a bicicleta”, considera Cecília Macilela, de bata impecavelmente branca.

 

Há nove anos como responsável do centro de saúde, a enfermeira admite que o trabalho das activistas é “relativamente pesado”, mas ao mesmo tempo “muito positivo”.

 

“Pelo menos agora todo o doente que não consegue caminhar já tem a bicicleta que o transporta para o hospital com a ajuda da activista”, comenta.

 

Para quem “voluntaria” a força das suas pernas para que outros escapem à morte, este é um projecto que vale a pena. E com muitas histórias para contar.

 

“Fomos andando pela estrada com muito cuidado. Foi uma viagem pesada e não foi fácil andar porque tinha muita areia. Mas fomos conversando com a doente e parando pelo caminho. Era pesado, estava difícil, mas conseguimos chegar ao nosso destino”, descreve Rufina Muate, 24 anos, relatando a viagens que acabara de fazer até ao centro de saúde de Motaze.

 

No frágil atrelado preso ao selim, coberto por um toldo de lona verde, está Mariana Eugénia, 26 anos, com um filho menor. É seropositiva e contraiu malária.

Há menos de um ano, Mariana Eugénia teria sido levada pelo mesmo caminho num carrinho de mão, igual aos que são usados na construção civil. Hoje “viaja” numa das seis “modernas” bicicletas-ambulância, posta em movimento pelos pés de Rufina Muate.
 

“Dantes não havia estas bicicletas, íamos naqueles carrinhos até ao hospital”, desafaba Mariana Eugénia, apontando para um carrinho de mão encostado ao longe a uma parede: “Mas chegávamos lá pior que estávamos”, relata.

 

Geraldo Seranga, é o único homem a trabalhar no projecto - “há só mulheres a fazer este trabalho porque os homens estão a trabalhar noutras actividades”, justifica Rufina Muate.

 

O jovem de 31 anos, natural de Maputo e com formação superior, nem sequer pedala: cabe-lhe, como responsável no terreno, manter o projecto - a que chama de “carroças ambulância” - em bom funcionamento e assegurar, no meio da savana, o cumprimento das melhores práticas.

 

“A pessoa é carregada e é posta. Depois há uns cintos de segurança que são amarrados no doente. E, após a ligação da carroça com a bicicleta, a activista põe-se a montar e nas laterais tem que ter os acompanhantes que vão acompanhando o doente até ao hospital. As normas de segurança são todas aplicadas”, assegura.

 

O facto de a “força das pernas” ser assegurado apenas por mulheres é desvalorizado por Geraldo Seranga, que prefere destacar o avanço “tecnológico” trazido pelo projecto que dirige.

 

Alargar o projecto a outros pontos do país dependerá agora da forma como se “consolidar a experiência” e de as comunidades locais se sentirem “donas das ambulâncias”, como explica Claire Fallender.

 

Ambulâncias com pernas e que salvam vidas.

SAPO/LUSA

r às 16:36

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