Cristiano Ronaldo vale cada cêntimo que um louco estiver disposto a pagar por ele. O problema não é pagar--se aquele salário: é ficar demonstrado que o mundo não muda. Haverá sempre Neros deslumbrados a tocar lira enquanto Roma arde.
Os valores da contratação do jogador português são uma provocação numa Europa em provação. Mas pensar em fixar preços máximos administrativos para contratações e salários de jogadores pode trazer mais problemas que vantagens. Mais do que o dinheiro pago, era importante limitar a estupidez humana. Mas essa, disse Einstein, é como o Universo: infinita.
Os clubes são empresas. Os seus activos são os jogadores. Quando contrata uma estrela por 94 milhões, o Real Madrid está a fazer um investimento para o qual projecta um determinado retorno. Se esse retorno é superior ao capital empregue, então o "projecto" é viável, tem Valor Actual Líquido positivo, deve fazer-se.
Terá sido com base nestes pressupostos que o presidente do Real decidiu a contratação de Ronaldo; e que os bancos, que tão pouco crédito têm para a economia, aprovaram financiamento. Certo? Certíssimo: é gestão financeira pura. Tão pura quanto a gestão financeira que suportou uma economia insustentável, hiperendividada e em bolha que deu no que deu.
Ainda por cima com vantagens fiscais. Gerir com uma folha de cálculo à frente é a maior das tentações: tudo se torna lucrativo, basta criar cenários.
É o que o Real Madrid está a fazer: quando a economia não cria, a finança recria. A economia desportiva está nas lonas: receitas publicitárias e de patrocínios em quebra dramática, clubes hipotecados por dívidas antigas erigidas em nome de vitórias em ligas milionárias que não aconteceram. Como em todos os outros sectores, é preciso desalavancar, desinchar, chegar a um novo balanço, mais magro e sustentável. E isso é verdade no Manchester, no Real ou no Benfica. Mas dos três, só o primeiro assim age.
É chocante ver este tipo de salários num momento como este e num país como aquele. Espanha está numa recessão gravíssima, um défice nos 10%, dívida astronómica, em risco de ter cinco milhões de desempregados; já está a subir impostos, não terá retoma antes de 2011 - será mesmo dos países a sair mais tarde da crise. E, no entanto, um senhor chamado Florentino Perez trabalha alheado disto tudo.
Como o Nero, deslumbrado, toca lira e recita louvaminhas a si mesmo.
É por isso que o problema não é, em si mesmo, o salário de Ronaldo: o jogador português está de certeza do lado certo da história. Não é sequer uma lição de moral ao senhor Perez, isso é lá com os sócios que o elegem, com os banqueiros que o financiam e com os espanhóis que o toleram. O que está em causa é o eterno retorno aos comportamentos gastadores e insustentáveis, que arrastam as empresas (e os clubes!) e as economias de descalabro em descalabro. Pois se são as mesmas pessoas a tomar as mesmas decisões, que outros resultados poderemos esperar?
Reagir a estas extravagâncias com limitações de salários não resolve. É um intervencionismo perverso, difícil de fazer e fácil de contornar. É assim com jogadores de futebol e com gestores de empresas. Com a diferença que, com os jogadores, os números são mais transparentes. Pensando bem, já é um passo à frente.
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